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sexta-feira, fevereiro 01, 2008

Eu, operador de telemarketing

Um colega de trabalho da mãe falou para ela sobre a oportunidade de trabalhar num projeto de um sindicato durante cinco dias. Ela me passou as informações e sugeriu que eu mandasse o currículo. Assim o fiz, para aproveitar meu tempo livre.

Poucos dias depois, me chamaram para uma conversa. Explicaram a tarefa, uma pesquisa por telefone, e que precisavam conhecer a minha voz para ver se era boa para a função. Ainda que estivesse descrente sobre este último fator, fui aprovado. Seria operador de telemarketing por cinco dias. Não estaria sozinho. Uma estudante de Medicina, em férias, também faria as entrevistas.

Head-set à cabeça (com o perdão da redundância), tinha à minha frente um computador e um arquivo com o questionário a ser preenchido.

“Boa tarde! Meu nome é Eduardo, estou fazendo uma pesquisa de avaliação sobre a atuação da entidade. Nós gostaríamos da sua colaboração, o senhor pode responder algumas perguntas?”

Esta era a saudação a cada ligação feita, abrindo uma chamada que, se concluída com êxito (ou seja, pesquisa respondida), poderia demorar em torno de 12 minutos. Assim, a situação tomou vários rumos nas 25 horas na frente daquele micro. “Como assim? Responde ou não responde!”, você pode se perguntar. Mas cada uma destas possibilidades apresentou subdivisões.

Entre os que respondiam, estavam os...

...solícitos: respondiam tranqüilamente, sem se preocupar com o tempo (foram poucos, é verdade)
...tudo azul: respondiam tudo com o conceito “Bom” e não faziam críticas ou davam sugestões
...a contra-gosto: participavam apenas para se livrar e respondiam de qualquer jeito
...impacientes: podiam começar solícitos ou a contra-gosto, mas convergiam para o mesmo lado e, lá pela metade, perguntavam: “Falta muito?”. Mesmo assim, respiravam e iam até o final.

Mas a maioria mesmo estava entre os que não quiseram participar. Entre eles...

...solícitos: sim, aqui também. Pediam muitas desculpas, eram gentis, mas alegavam falta de tempo para responder
...outra hora: quem atendia já cortava e dizia que o contato não estava lá e pediam para ligar em outro momento
...curto e grosso: “agora não dá”, “ih, é muito tempo, estou só eu aqui”
...férias: bom, em janeiro, já era esperado
...não quero: se negavam a responder, independente da hora e situação que ligasse
...ocupado: nem atendiam o telefone

E fico por aqui, apenas para citar alguns. Mas dois casos específicos merecem destaque.

O primeiro é coletivo. Ligava, me apresentava e perguntava pelo contato. “Boa tarde, o sr. João (nome fictício) está?” Prontamente ouvia a resposta. “Quem quer falar com ele?” Explicava a situação e, para minha surpresa... “Sou eu mesmo, pode falar”.

O segundo foi específico. Um senhor que não estava no seu dia. Mas só fui descobrir no meio da pesquisa.

- O atendimento é muito ruim, isso é uma máfia, só se preocupam com os conchavos deles. Ao invés de fazer pesquisinha tem que cuidar dos nossos interesses! – esbravejou. Mas a minha tarefa era terminar aquele questionário.

- O sr. conhece as ações do sindicato em gestão ambiental?
- Claro, mas isso não é função de sindicato. Deveriam nos defender!
- Ok. Já participou de alguma atividade social da entidade?
- Não, nem vou participar dessas festinhas que eles fazem.
- Certo. Já acessou o site do sindicato?
(em tom irônico)- Ah, sim, muito bonito! Deve ter custado uma grana, né? Por isso nos cobram tanto! A gente só paga e não vê retorno!
- Compreendo. O senhor tem mais alguma crítica, comentário ou sugestão a fazer?
- Não!
- Muito obrigado pela sua colaboração, uma boa tarde! – Finalizei, com o mesmo tom de voz, sempre tranqüilo. A missão estava cumprida.

Valeu a pena a experiência. É um trabalho bem complicado. Imagino quem trabalha com vendas. Tanto que mudei uma velha postura. Hoje pela manhã, já em casa, recebi uma ligação de uma administradora de cartões de crédito. Geralmente diria não direto. Mas lembrando o trabalho naqueles cinco dias, deu pena da coitada do outro lado da linha. “Desculpe, moça, sei o que você está passando. Pode dizer a sua gerente que você convence e trabalha muito bem. Eu é que não tenho interesse mesmo”. É, cartão não dá!

Ps: Em atenção ao que determina o decreto nº 28.314 do Distrito Federal, informamos que nós também demitimos o gerúndio nas nossas ligações!

Ponto final

Infelizmente, já chegou o Carnaval de novo. É a pior época do ano, sem dúvida. Mas acho que dessa vez vai ser diferente, por estar bem acompanhado. Além do mais, a quarta-feira de cinzas não está tão longe assim.

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