Depois das botas, perdem-se as meias
Em território brasileiro, ainda existem muitas cidades ao sul de Porto Alegre. Mas como capital, é a última. Não há espaço para dúvidas, você chegou bem embaixo e não tem saída nem pelos lados. Ao Norte é um pouco indeterminado, pelo país ser mais largo ali e não ter um ponto tão extremo (talvez Boa Vista, em Roraima, mas o estado ainda tem uma divisa lateral com Amazonas e Pará).
Num avião dentro do país, em qualquer outro lugar que ele pare, ainda tem como ir mais para baixo. Aqui não. Você tem o privilégio de descer junto ao piloto e às aeromoças. Se eles saírem do avião antes, em qualquer outro aeroporto, vá junto. É pelo seu bem.
Se você pega um avião em Recife rumo a Porto Alegre com escalas, como um vôo noturno da Gol, até São Paulo você ainda pode tentar adivinhar onde as pessoas vão descer, por suas expressões, comportamentos ou aparências. Depois que o avião saí de Guarulhos, não é segredo para mais ninguém onde você descerá. Uma vez até ouvi a seguinte conversa.
- Puxa, achei que a guria da saída de emergência ia descer no Rio. Olha o bronzeado, tem aquele jeito de guria carioca, juro que ouvi um chiado. Na real eu tava louco pra trocar de lugar, achei que ia liberar lá e que poderia esticar as pernas.
- Capaz? Estava pensando em ir até a 5-A e tentar trovar aquela loira pra ver onde em Porto ela morava, mas ela desceu agora. Bah, mas tenho quase certeza que eu já encontrei ela uma vez no Parcão...
Dentro da cidade-extremo, sou sempre o último a descer nas caronas, o que muitas vezes obriga o motorista a passar pela frente de sua casa e ter que fazer uma grande volta para completar a tarefa, comentando: “Caramba, é onde Judas perdeu as meias. As botas ficaram bem mais pra trás. Em que rua fica teu bunker mesmo?” Caminhando dois minutos além da escola onde estudei, você já chega a outra cidade.
Mas não tem lugar melhor que o rancho fundo, bem pra lá do fim do mundo. Basta ouvir, como numa formatura nesse último sábado, o orgulho e a força com que as pessoas aqui cantam aquele modesto “Sirvam nossas façanhas de modelo a toda terra”.
Além do mais, o fim de hoje é o ponto de partida amanhã. E como canta César Passarinho em "Os Cardeais", “quando a gente abre as asas, nunca mais, nunca mais”.
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Há 8 anos
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