.....................

sexta-feira, novembro 20, 2009

Como o vídeo ajudaria o futebol

Dois esportes populares e centenários. Duas situações semelhantes. Dois anos de diferença. Dois finais bem diferentes. Curiosamente, o mesmo estádio.

Outubro de 2007

Stade de France, Saint-Denis, França. Final da Copa do Mundo de Rugby. África do Sul x Inglaterra. Dois minutos do segundo tempo, 9x3 para os sul-africanos. O winger inglês Mark Cueto recebe livre na ponta e dispara em direção ao in-goal adversário, para marcar o try, o “gol” do rugby. Ele pula e alcança seu objetivo. A torcida inglesa já vibra, os comentaristas da TV também. Cinco pontos já estavam garantidos. Com os outros dois que poderiam vir do chute sempre certeiro de Jonny Wilkinson a Inglaterra assumiria a ponta no placar.

Mas o árbitro Alain Rolland interrompe a festa e pede o video ref, forma popular de “video referee”, nosso vulgo tira-teima. No entusiasmo da partida, torcida, TV e jogadores não perceberam que o pé de Cueto havia tocado na linha de lado do campo antes dele encostar a bola no in-goal. Apesar das reclamações, Rolland não deu o try. A África do Sul ganhou a partida por 15x6. Não fosse o aparato eletrônico, o troféu poderia ter ido pra outro lugar.


Uma consulta rápida e a correção de um engano que poderia mudar o resultado da Copa do Mundo de Rugby de 2007.


Novembro de 2009

Voltamos ao mesmo Stade de France, dois anos depois. Ao invés de rugby, futebol. Estamos em novembro de 2009 e França e Irlanda disputam a partida de volta da repescagem das Eliminatórias da Copa do Mundo de 2010, decidindo quem iria para o Mundial. A França havia vencido o primeiro jogo por 1x0 e a Irlanda devolveu o placar neste segundo embate.

Eis que aos 12 minutos da prorrogação, cobrança de falta para a França, a bola é alçada na área, Henry ajeita para Gallas marcar o gol de empate. Os irlandeses partem para cima do árbitro Martin Hansson e reclamam que o gol foi irregular pois o francês havia dominado a bola com a mão. O juiz nem considerou as críticas.

A TV começa a mostrar o gol de vários ângulos e se percebe que não houve um toque da mão de Henry na bola, mas sim dois. Não é jogada nem do vôlei, no qual seria marcado condução. A França conseguiu a classificação e à Irlanda restou reclamar. Pobre Giovanni Trapattoni, técnico da Irlanda, que outra vez voltou a sofrer na mão da arbitragem (ele era técnico da seleção italiana na Copa de 2002, eliminada pela Coreia do Sul em uma sequência de erros do equatoriano Byron Moreno, que apitava o jogo).


Será que o juiz levaria muito tempo para ver que o gol foi irregular?


Resistência

O rugby faz uso do vídeo em jogadas importantes. O tênis passou a adotar o sistema de vídeo e concedeu aos jogadores o direito de questionar a decisão do árbitro, num sistema semelhante ao que existe no futebol americano. Porque o futebol, o de origem inglesa, reluta tanto em adotar a solução tecnológica?

As últimas três semanas foram bem intensas para a arbitragem do esporte. Começou com o experiente Carlos Simon, que anulou um gol legal do Palmeiras contra o Fluminense no Rio. Passou pelo inexperiente Elmo Resende da Cunha que, em outro jogo do Palmeiras, dessa vez contra o Sport, trilou o apito achando ter um impedimento de um jogador paulista, os pernambucanos pararam, a bola entrou no gol e ele foi validado pois Cunha mudou de ideia no meio do caminho. Chegou ao último domingo, quando Sandro Meira Ricci anulou, e bem, um gol de Cláudio Luiz, do Naútico, contra o Flamengo. O problema é que ele levou cinco minutos para fazer isso, após uma reunião improvisada no meio do campo. E terminou com o lance de Henry ontem.

"Mão de Deus", como diz a capa do L'Equipe do dia 19, ou o olho do juiz mesmo?

Todas estas confusões poderiam ser evitadas se o árbitro tivesse a sua disposição um sistema de vídeo. Mas existe uma grande resistência em adotar essa prática. Para os críticos, prejudicaria o andamento da partida, tiraria emoção do jogo, deixaria o esporte muito “eletrônico”, não haveria o que falar do Maradona e sua “mano de Dios”, que não adiantaria nada pois até hoje não se sabe se a bola entrou ou não na decisão do Mundial de 1966, ou até que não teríamos tema para as conversas de bar durante a semana.

Penso diferente. O futebol chegou a um nível no qual falhas devem ser evitadas ao máximo. Errar é humano, a menos que o erro possa ser evitado. Não existe mais amadorismo para pensar que um engano de um árbitro seja comparável a falha de um goleiro ou na escalação do time por um treinador. São situações bem diferentes.

Não acredito que o jogo ficaria mais lento. Não seriam todas as partidas que precisariam do olho eletrônico e nem todos os lances. Não seria utilizado para definir quem cobra um lateral ou se houve falta no meio-de-campo. É um recurso para se utilizar quando houvesse dúvida sobre um gol ou pênalti, por exemplo, momentos cruciais numa partida.

Após a conclusão da jogada, o árbitro sinalizaria pedindo o apoio do vídeo. O quarto árbitro assistiria o lance e passaria sua decisão ao juiz. Se foi gol, bola no meio de campo. Caso contrário, tiro de meta. E o árbitro segue o jogo, tranquilo, sem ficar com o peso na consciência de ter errado ou não e, principalmente, por ter livrado sua mãezinha de ouvir poucas e boas.

Um comentário:

Rafael Aranha disse...

Brilhante seu post!!! Concordo com ele plenamente. Inclusive gostaria de ressaltar 3 pontos que o video do rugby exemplifica perfeitamente:

1. A escolha de ver o video é de exclusiva responsabilidade do ÁRBITRO. Dizem por aí que o jogo iria ficar parando toda hora pois os TIMES pediriam toda hora para ver o video. Acho que estão relacionando muito com o tênis que é um jogo INDIVIDUAL. Não devemos comparar com o tênis e sim, como você mostrou muito bem, com o rugby.

2. Bem no final do video do rugby dois jogadores ingleses foram em direção ao árbitro, que logo deixou claro quem é que manda no campo. Os jogadores mostraram respeito ao juiz.

3. O árbitro possui um microfone que registra TUDO que é dito por ele. No futebol os juizes falam um monte pros jogadores e fica por isso mesmo.

Por isso que concordo cada vez mais com a seguinte frase:

"Futebol é um esporte de cavalheiros jogado por bestas. Rugby é um esporte de bestas jogado por cavalheiros."