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quinta-feira, dezembro 17, 2009

Esporte e política para o bem

“Enquanto te exploram, tu grita gol”.

Vi essa frase pichada num muro aqui em Porto às vésperas da última rodada do Campeonato Brasileiro deste ano. O uso de esportes para distrair a atenção do público de fatos políticos não é novidade.

Começa pela coincidência das eleições para presidente em ano de Copa do Mundo. Na Ditadura Militar, havia até um versinho: “Onde a Arena vai mal, mais um no Nacional”, o que ocasionou um campeonato com 94 clubes em 1979. Antes, teve o tri da Copa do Mundo de 1970 (retratado em filme por Roberto Farias em “Pra Frente, Brasil”).

Não é exclusividade brasileira. Outro Mundial de Futebol, o de 1978, ajudou a esconder um dos períodos mais negros do regime militar na Argentina. O nazismo se aproveitou das Olímpiadas de 1936 em Berlim. O fascismo usou a vitória da Itália nas Copas de 1934 e 1938 para reforçar sua campanha nacionalista. Falando em italianos, os romanos já tinham a prática do “Pão e Circo” há milhares de anos atrás.

Mas em pelo menos uma oportunidade, o resultado da união entre política e esporte foi positiva: o Mundial de Rugby de 1995, na África do Sul. É essa experiência que John Carlin narra no livro “Conquistando o Inimigo: Nelson Mandela e o jogo que uniu a África do Sul”, da Editora Sextante (o primeiro capítulo está disponível para leitura em PDF, clique aqui). Apesar da editora e título de livro de auto-ajuda (o original é “Playing the enemy: Nelson Mandela and the game that made a nation”), os fatos e depoimentos que Carlin apresenta no livro são uma lição de história sobre o país que, em 2010, receberá outro mundial, desta vez o de futebol.


Mas sem dúvida os jogadores dos Bafana-Bafana (apelido da seleção de futebol sul-africana) não terão o mesmo peso que os Springboks (apelido da seleção de rugby do mesmo país) tiveram. Durante o período do apartheid, os Boks viraram o símbolo da segregação racial e o rugby era visto como o esporte dos brancos exploradores. Como forma de protesto ao regime, muitas seleções se recusavam a jogar contra os sul-africanos ou, se a partida acontecia, era cercada por protestos dos torcedores e os sul-africanos negros vibravam com as vitórias dos adversários. No esporte, a África do Sul estava isolada. E merecia tal castigo.

Foi justamente este esporte que Mandela escolheu para unir brancos e negros e formar a nova África do Sul e, principalmente, os sul-africanos, uma mistura de negros, ingleses e holandeses. O mesmo rugby que era o passatempo favorito de seus carcereiros na prisão da ilha Robben e dos responsáveis por ele e outros negros terem ficado muitos anos atrás das grades ou enfrentando agressões e mortes.

Eram muitos os desafios para o campeonato que a África do Sul sediou em 95. Convencer os negros a torcer pela odiada seleção. Convencer os brancos a aceitarem a nova bandeira do país e cantarem o novo hino, em uma língua diferente da deles. Evitar um conflito que resgatasse o passado de separação, o que poderia vir de qualquer parte, tornando em vão todo o esforço.

É interessante ver no livro os artifícios simples que Mandela usou para persuadir todos e atingir seu objetivo (“Não falem para as mentes deles. Falem para seus corações.”). O slogan “Um time, uma nação” deu certo e, em menos de um ano, o país foi de uma quase inevitável Guerra Civil para a união de negros e brancos na comemoração pelo título, numa difícil final contra a melhor seleção de rugby do mundo, os All Blacks (Nova Zelândia), que contava com um dos melhores jogadores de todos os tempos, Jonah Lomu (um atleta alto, muito forte e bastante veloz. Era complicado pará-lo quando iniciava a correr em direção ao try).

A África do Sul superou tudo isso e a vitória veio na prorrogação. Mandela entregou a taça de campeão ao capitão dos Boks, François Pienaar, que pouco antes havia dado uma declaração que mostrou o resultado dos esforços do grande líder sul-africano em terminar com a segregação, algo planejado desde os tempos na cadeia. Quando perguntado sobre como era ver 65 mil pessoas apoiando o time no estádio (o Ellis Park, em Johanesburgo), Pienaar respondeu:


“Não tivemos 62 mil torcedores nos apoiando. Tivemos 43 milhões de sul-africanos.” (obs: perdão pela falta de sincronia do vídeo)


Ponto final

O livro “Conquistando o Inimigo” ganhou sua versão para o cinema, sob o título de Invictus. Para o papel de Nelson Mandela, Morgan Freeman. Matt Damon interpreta François Pienaar. Na direção, Clint Eastwood. A estreia aconteceu na semana passada, dia 10 de dezembro, e há a previsão de chegar ao Brasil em janeiro. Abaixo o trailer.


Tanto no livro, quanto no filme, não se comenta sobre o suposto envenenamento dos jogadores do All Blacks antes da final. E isso realmente não vem ao caso.

Um comentário:

Nrmartins disse...

O mundo está em grande estado: Temos guerra no mediterrâneo, rebeldes palestinos se destruindo, iraquianos morrendo por petróleo. O mundo está mudando, quero ver quanto tempo mais esta lavagem cerebral vai continar ocorrendo. Sou culpado por esta disseminação da copa também porque nunca fiz nada para parar ou nunca me manifestei. Mas como digo, o mundo está mudando. Para mim, pra melhor.