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segunda-feira, dezembro 14, 2009

Velho rancho às margens do Piratini

Saudades de aquel tempo da vieja morada às margens do Rio Piratini. De trotear meu zaino e revisar a tropa tempranito e, despues, tomar um bom leite gordo, recém tirado da vaca. Ou então de quedar ao lado do fogão à lenha nos dias de frio, mirando o campo branquinho da geada noturna, chuleando pra não ir pra escola (o que nunca funcionava).

Hoje nada disso existe mais. Nunca me dei conta que, como filho único de pai gaúcho e mãe uruguaia, um dia isso passaria. Mas deveria imaginar pelo silêncio que se vivia naquela casa enorme já naqueles meus idos de piá, em contraste ao ruído que por muito tempo aquele casarão teve, lleno de parentes e até de paisanos acolhidos por meu avô.

Mas cada um dos meus tios se voltou para um lado deste Rio Grande e sobrou ao meu pai, o mais velho, tocar as coisas. E assim ficávamos os três ali, ouvindo o eco dos nossos passos no assoalho de madeira ressoando pelos espaços vazios.

Às vezes, nos finais de semana, até recebíamos algumas visitas. Me lembro bem do compadre Martínez, que vinha de Rio Branco para comer um assado. E portava com ele aquela carne vacuna da buena, de essas que só se encontram nas carnicerías do outro lado do Rio Jaguarão. De sobremesa, um bom dulce de leche feito pela comadre.

Mas o que mais me lembro das visitas do Martínez é que ele tinha uma filha, uma morocha sapeca, da mesma idade que eu. Era muy linda a guria. Pero eu em aquelas épocas não pensava em nada de mais. Para mim era a companhia tão esperada para brincar depois de muito tempo sozinho naqueles campos.

Então deixávamos os viejos tomando mate e charlando sobre a lavoura e a gadaria e nos bandeávamos pro rio, numa correria de locos, acompanhados pelos cuscos, assustando as galinhas. Se fazia calor, nos jogávamos na água. Nos dias de frio, quedávamos por ali tirando pedritas, sempre falando de qué sé yo.

Desde lejos, atentos, os olhos de mi madre acompanhavam nossos movimentos. Creio que ela fazia gosto de que um dia algo acontecesse entre nós dois. Mas nunca pasó nada. Crescemos, os juegos foram cessando e a charla também. Quando percebi a beleza dela e pensei em me declarar, a timidez me deu uns pialos. Ela, ao contrário, estava cada vez más hermosa e facera. Como provocava, bah! Estava sempre com aquel sorriso e, quando me cumprimentava, dava um beijo que, só nel recuerdo, me faz temblar até hoy. Se nossas miradas se cruzavam, era o bastante para me enrubescer.

Numa dessas visitas, ainda me recuperando do beijo e distraído pelo sorriso, nem percebi quando o Martínez anunciou que estavam de câmbio lá pros lados de Paysandú. E foi o que sucedeu, pouco tempos depois. Nunca mais a vi.

Mesmo solito voltava para a beirada do Piratini. Bem, sozinho nunca se está porque sempre hay um cusco companheiro a flanco. Foi naquela beira que sentei quando precisei decidir se ficaria ali ou iria seguir meus estudos fora, como os viejos queriam. Doble chapa, me auxiliei das pedras para decidir se ia para Montevideo ou Porto Alegre pra estudar Engenharia. Da estrada saquei uma pedrinha destas bem redonditas e desde arriba da ponte tirei minha sorte. Ela quicou para um lado, para outro, mas ao fim se voltou para o sul. Duas semanas depois estava embarcando para a capital oriental, para no más volver, levando na memória a imagem da despedida, da primeira e única vez que vi meu viejo chorar.

Hoje, quase quarenta anos depois, eles já estão campereando lá nas bandas do Patrão Velho. Hoje, eu vim para ver o Rio Piratini de novo. Por um desses juegos que a vida faz, minha esposa é fronteiriça, de Rio Branco. E ali estávamos para visitar seus irmãos. Aproveitando o ensejo, decidi ir ver o que havia acontecido no lugar onde nasci e cresci, mas que desde há muito não me pertence mais.

Muito mudou. O asfalto cobriu a velha estradinha de chão. Alguns casarões vazios adornavam a paisagem. Entre eles, o viejo rancho às margens do Rio Piratini. O telhado um vendaval maleva levou. Uma parede ruiu e as janelas já não estavam mais. Tampouco o fogão a lenha, que por muito tempo me aqueceu.

Desde cima da estrada, a casa desnuda, podia ver cada divisão, relembrar cada pedaço. Identificar onde estava a cozinha, meu quarto, o dos meus pais, o corredor que atravessava correndo quando voltava da aula, com as botas embarradas, para o desespero da minha mãe.

Estava anoitecendo. Minha esposa me tirou dos meus pensamentos. Era hora de partir.

Ponto final

Ah, há quanto tempo não escrevia um pouco ficção... mas a imagem vista muito rapidamente daquela casa em Pedro Osório, totalmente destruída, me fez puxar um conto que há muito queria escrever.

Não foi a primeira imagem de um casarão vazio que me chamou a atenção. Numa viagem recente a região dos meus pais, passamos por várias casas abandonadas, construídas a custo de muito trabalho para manter seis, sete, dez filhos e mantidas por muito tempo com dedicação, mas deixadas para trás, tomadas pelo mato ou destruída por temporais, porque não restou um para cuidar.

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