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segunda-feira, abril 02, 2007

Itália, Mastroianni, mulheres, falar de mais ou de menos

Não me lembro de um final de semana com tanto destaque ao cinema italiano aqui em Porto Alegre. Além dos últimos dias da mostra de Marcello Mastroianni, ainda estava em cartaz um documentário sobre o ator e, além disso, aconteceu a estréia do filme “O Crocodilo” (Il Caimano), de Nanni Moretti.

Apesar do horário insólito para uma sessão de cinema (meia-noite), fui conferir “Marcello uma vida doce”, documentário sobre Mastroianni. Do seu trabalho, conhecia algumas de suas atuações em filmes de Federico Fellini: “La Dolce Vita”, “8 1/2", “Cidade das mulheres” (Città delle donne), Ginger e Fred e Roma . Aliás, como foi bom ver as imagens de um impaciente Fellini, balançando de um lado para outro, chegando a sair do enquadramento, enquanto falava sobre o amigo. Fora os fellinianos, vi “Ontem, hoje, amanhã” (Ieri, oggi, domani), de Vittorio de Sica, no qual estão unidos os dois nomes mais famosos do cinema italiano em todo o mundo: Mastroianni e Sophia Loren.

O documentário une depoimentos atuais com cenas de um registro feito por Antonello Branca em 1965, durante as filmagens de “Casanova 70”, de Mario Monicelli. Casanova é um personagem da Veneza do século XVIII por ser considerado um conquistador e um grande amante, características atribuídas também a Mastroianni, que sempre faz questão de desmentir essa atribuição.

De fato seus principais personagens não eram grandes conquistadores. Em “La Dolce Vita” vive sem conseguir o grande amor. Em “8 1/2" sonha estar cercado por mulheres como um adestrador que não controla mais suas feras. Em “Ginger e Fred” passa anos sem declarar a sua paixão antiga pela ex-companheira de sapateado. Bom, e em “Cidade das Mulheres”, nem se fala. Como diz o título, ele se perde e vai parar no meio de uma convenção feminista em uma cidade comandada por mulheres, onde sempre vira uma “vítima”.

Essa “fraqueza” diante das mulheres (aliás, típica do homem italiano, pelas marcas da forte figura da “Mamma”) é que deu ao ator o sucesso com elas, por, segundo as palavras do documentário, “despertar o sentimento materno nas fãs”.

Diziam que ele era preguiçoso, insolente, tímido e introvertido. Um preguiçoso que fez mais de 150 filmes na carreira. Um insolente que tinha a confiança de Fellini, o que não era fácil. Afinal, o diretor, certa feita, chegou a fazer um filme a contragosto por estar brigado com o personagem. Não o ator que o fazia, mas sim o ser representado na história. Fellini era acusado de ser autoritário. E de fato era mesmo. Os atores deveriam ser suas marionetes, fantoches. Marcello se adaptou bem a esse sistema e se deixava levar. Ao mesmo tempo, quando trabalhavam juntos, o diretor gritava com todos para explicar uma cena e, na vez de Mastroianni, apenas dizia: “Bom, você sabe”.

Sem ler o roteiro, ele sabia.

Mastroianni faleceu em 19 de dezembro de 1996, aos 72 anos.

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Num dos depoimentos do filme, a timidez de Marcello é caracterizada como “mecanismo de defesa”, um meio para não se expor demais. Uma cena do registro de Antonello Branca chega a ser exagerada em mostrar isso. Na estréia de um filme de Sophia Loren, o ator literalmente se esconde das luzes, discretamente, atrás da atriz. Quando você vê numa tela características com as quais se identifica, começa a pensar e entender certos modos de agir.

Por exemplo, pessoas que falam bastante. São caracterizadas como extrovertidas, alegres, simpáticas e de bem com a vida. Mas muitas vezes escondem alguém com um grande medo de, a certo ponto, se ver sozinho. Ou, então, simplesmente não tem nada a dizer e apenas joga palavras vazias ao alto. É claro, nesse meio se encontram muitas pessoas inteligentes, o que as torna bastante atraentes.

Já se você não abre muito a boca, vai ser taxado de antipático, esnobe, sério, frio, tímido e de difícil relacionamento. Mas muitas vezes escondem alguém que precisa de um tempo para pegar confiança no outro. Ou, então, simplesmente não tem nada a dizer e prefere esconder esse vazio. É claro, nesse meio se encontram muitas pessoas inteligentes, o que as torna bastante atraentes. (NR: aqui está repetido mesmo, não é falha causada pelo sono)

Não gosto de terminar um texto dizendo “ah, é claro que o melhor é o meio termo, não se pode ser 8 ou 80”, por que isso é óbvio. Mas, para evitar cobranças posteriores, prefiro fazê-lo.

Bom, sobre filme “O Crocodilo”, do Nanni Moretti, escrevo outro dia, senão esse post se alonga demais e os três leitores do blog podem se cansar. Talvez o publique no Confraria do Jornalismo (link aí do lado), pois tem a ver com a área. Mas se tiver um tempo, procure onde o filme está passando e assista. Vale a pena para tentar entender a incompreensível política italiana.

Um comentário:

Anônimo disse...

Seriam os sentimentos humanos mais incompreensíveis do que a política italiana, Eduardo?
Me lembrei do filme do Máskara agora. Tem uma parte dele que faz sentido. Quem realmente somos? O verdadeiro "eu" é aquele que eu mostro às pessoas, ou aquele que mantenho escondido num reduto escuro da alma?

Resumindo: é todo aquele papo de "atitude" que a gente teve... hehehe. Abraços!