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quarta-feira, outubro 31, 2007

Memórias de viagem 1
Matador, matador

Abri o jornal na sexta, dia 19, e descobri que, naquela noite, a equipe do Tigre jogaria em casa contra o Arsenal por mais uma rodada do Apertura 2007, o campeonato da 1ª divisão da Argentina. Procurei as orientações sobre como chegar ao estádio, na vizinha cidade de Victoria, e, três horas antes, parti, ainda incerto da minha escolha. Afinal, existe toda uma preocupação com a violência nas canchas argentinas, com as brigas envolvendo torcidas rivais ou a polícia. Sem falar do que poderia acontecer no meio do caminho.

Quando o trem estava por sair da estação Retiro em direção a Tigre, alguns sujeitos aparentemente bêbados e não muito amigáveis entraram no vagão e começaram a falar alto, fazendo ameaças e pedindo dinheiro. Naquele momento, estava achando que a única opção certa havia sido deixar a câmera fotográfica no hostel. Algumas estações depois, em Belgrano, os tipos baixaram e a viagem até Victoria, onde cheguei 40 minutos depois, foi mais calma.

O Estádio de Victoria, na cidade de mesmo nome, na Grande Buenos Aires


Recém chegado à cidade de casas baixas e largas avenidas, e totalmente desorientado, entrei num quiosque para perguntar o caminho do campo e aproveitar para comprar um alfajor e algo para tomar. “Siga reto por três quadras e, ao chegar na avenida Perón, dobre a esquerda. Mais umas seis quadras e você vai ver o estádio”, me disse o caixa. Seguindo as instruções, poucos minutos depois já estava comprando o ingresso em um velho ônibus transformado em bilheteria.

Depois de passar por duas revistas policiais, entrei no estádio. Ao meu lado, um senhor acompanhava o filho e o neto, e reclamava sobre a escalação do time. Ao me ver, apenas comentei: “Temos que ganhar hoje, não?”. “Seria bom, mas vai ser difícil. Eles têm uma equipe forte também”. Nisso me apresentei, disse que vinha do Brasil, que era a primeira vez que estava no estádio e se poderia assistir o jogo ao lado deles. Ficaram bastante felizes com a idéia e tomamos nossos lugares na arquibancada.



Já de largada dei uma furada. “Então, aqui estamos, na cancha de Mataderos”. “Não”, me corrigiu o senhor Ramon, o mais velho da família. “Mataderos é o estádio do Nueva Chicago. Aqui é o estádio de Victoria mesmo”. Na verdade, fiz confusão com o apelido do Tigre, “El Matador”.

Matadores, mataderos... mas o engano não poderia ter sido mais infeliz. Na última partida da segunda divisão, em 25 de junho, o Tigre conseguiu subir vencendo, fora de casa, o Nueva Chicago. Mas numa confusão após o jogo, 78 pessoas foram presas, 14 ficaram feridas e um torcedor do Tigre foi morto.

Já conhecia a história, mas o filho de Ramon me comentou o fato e foi além. “Está vendo os homens de farda?”, disse, apontado os policiais que faziam a guarda na arquibancada atrás de um dos gols. “Eles são os responsáveis pela maioria das confusões. Eles provocam. Sabe o que é? Muitas vezes alguns policiais são torcedores de times rivais e ficam provocando. Eles também são culpados. Isso é ruim, sair para o estádio sem saber em que estado vai chegar em casa”

Mas, mesmo assim, eles me afirmaram que sempre vinham ao campo ver o Tigre, desde os tempos das divisões inferiores. Nisso, chegou o “Tio”, como chamavam a um senhor gordo, de camisa aberta, com um longo colar e uma grande pulseira com bolinhas azuis, vermelhas e brancas, as cores da equipe. Quando me apresentaram, o Tio veio feliz dizer que entendia de português. “Quero dizer, de um bom vinho do Porto”, brincou, enquanto começava a fumar o primeiro dos muitos cigarros que pelo cheiro ajudaram a afastar os mosquitos.

Faltando meia hora para começar a partida, Ramon apontou a arquibancada, ainda vazia, e me disse que, em quinze minutos, estaria lotada. Quando os times entraram em campo, dei uma última olhada e ainda estava com muitos espaços vagos. As equipes se apresentaram e, quando olhei de novo, estava tudo tomado. Não sei de onde saiu tanta gente de uma hora para outra.



E que torcida! Quando começou o jogo, todos ficaram em pé e se iniciaram as canções. O primeiro tempo foi bem equilibrado, cheio de opções, mas nenhuma das equipes conseguiu marcar. Sobraram xingamentos para o árbitro (algo como “hijo de mil p****”, para dizer um mais leve...) e para o goleiro rival, que estaria fazendo tempo (a famosa catimba). O intervalo foi o único período para sentar um pouco, mas atrás do gol seguiam os gritos de guerra e pulos.

Começou o segundo tempo e, aos dez minutos, o goleiro do Arsenal espalma uma bola para o centro da área, o chute de rebote vai na trave e a bola retorna para o pé do jogador do Tigre que, enfim, marca o primeiro gol. Nesse momento me arrependi de não ter levado a câmera para gravar a linda festa que a torcida fez.

Aos 27, nova comemoração. Uma rápida saída pegou a defesa adversária mal colocada e um bom passe deixou o jogador do Matador livre para “matar” a partida. Aí o estádio se uniu em um grito:

Veni, veni,
canta conmigo
que un amigo vas a encontrar
que de la mano
de Diego Cagna
todos la vuelta vamos a dar


Não é um grito único da torcida local, mas representa bem o momento da equipe. O Tigre está fazendo uma ótima campanha, ocupando a terceira colocação no campeonato, a dois pontos do líder, faltando cinco jogos para o fim do torneio. Por isso cantava a torcida, pelas chances de ser campeão argentino e dar a volta olímpica, graças ao bom time montado pela seu técnico, o ex-jogador Diego Cagna.

Quando terminou a partida, ao contrário do que acontece no Brasil, tivemos que esperar vinte minutos dentro do estádio para a retirada dos torcedores rivais. Nesse tempo, Ramon me orientou a ficar bem quieto até chegar a Buenos Aires, para evitar problemas. Fora os barulhos ao longe dos tiros de borracha e explosão de bombas de efeito moral, a volta foi tranqüila.

No trem, ia lembrando da bela festa que a hinchada havia feito. “Aqui é sempre assim”, me disse o filho de Ramon. “Até antes mesmo do Tigre subir, o estádio estava sempre cheio. E isso que somos uma equipe pequena”. Nisso, lhe questionei, lembrando o que gritaram os torcedores após o segundo gol. “Equipo chico la p*** que te parió!”

2 comentários:

Piero Barcellos disse...

Te puxando nos posts, Leonardi? Hehehehe! Que bom que está na ativa novamente. Bom, este post é uma prévia, então, do que veremos em 2014 nas terras tupiniquins, infelizmente.

Abraços!

Anônimo disse...

Mas vem cá tchê, por anda tu anda? Saudade de ti, parceirão. Te apresento o meu Zaratustra, o Cusco.