João Alberto, jornalista – 2
Um Natal cheio de tradições
Oi, sou eu novamente, João Alberto, e o que é mais importante, jornalista. Já estive por aqui para comentar meu início de carreira, mas nessa época de festas de fim-de-ano sempre me lembro do meu primeiro Natal aqui na redação.
Era uma quarta-feira, dia 23 de dezembro, e já estava praticamente tudo pronto para o feriado. Aliás, feriadão. Era de praxe reunir toda a família nessa data e já até havia comprado a passagem para São Fernando para visitar meus pais. Inclusive havia comprado presentes para eles, graças ao 13º.
Estava na redação, terminando uma matéria sobre a correria de quem deixa para comprar os presentes na véspera. Faltava uma linha e eu estaria liberado. Nisso meu editor se aproximou de mim e ficou olhando o monitor, como se estivesse lendo o que havia escrito.
- Estou quase terminando, editor, ainda falta uma linha. Quer revisar?
- Não, João, não é isso. Na verdade gostaria de falar com você sobre o Natal.
O que ele iria me falar? Eu já sabia que, por tradição, não haveria risco de trabalhar nos próximos dias. Vai ver ele ia me desejar um Feliz Natal.
- Nós temos uma tradição aqui no jornal de cobrir a Missa do Galo na Catedral.
Comecei a ficar com medo.
- É ir lá, acompanhar a missa, pegar algumas declarações, principalmente se tiver alguma autoridade, e fazer o seu texto para a edição do dia 26.
O temor ia crescendo.
- Bom, João, você foi escalado para a cobertura este ano. Esteja na Catedral amanhã, às 22h, ok?
Cadê o chão que estava aqui até agora a pouco? Por que eu? Por que eu???
- Mas, senhor editor, eu estava pensando em visitar minha família no interior, estou com a passagem comprada e...
Ele me olhava mas parecia não me ouvir. Seu celular tocou e ele atendeu, nervoso. Era sua esposa, acho.
- Calma aí que já estou saindo da redação... quê? Tá, em meia hora estou aí e resolvo isso... como? Você não pode esperar um pouquinho? Já disse que em trinta minutos estou aí! Trinta minutos, entende???
Enquanto a mulher resmungava do outro lado, tapou o bocal com a mão e se virou para mim.
- Desculpe, João, mas não há nada que eu possa fazer, ok? Ah, e vá de táxi, porque os motoristas estarão de folga. Bom trabalho amanhã.
- Mas...
- Mas o quê, João?!? Se não gostou, aproveita que a cerimônia é na Catedral e reclama com o bispo!!!
Não havia clima para argumentações. Ele saiu batendo as portas da redação em uma outra discussão pelo telefone com a mulher.
Enfim, como um peru, morri na véspera. Todos meus planos estavam arruinados. Restou acordar cedo no dia 24 e ir para a Rodoviária. Com muita conversa e depois de caminhar para um lado e para o outro consegui receber de volta parte do dinheiro da passagem.
Assim que cheguei em casa, no início da tarde, liguei para os velhos e expliquei a situação. Apesar de minha mãe dizer que não tinha problema, ouvi ao longe meu pai gritando que, se tivesse escutado ele e ter virado funcionário público, já estaria de folga desde o início de dezembro.
Chegou a noite e me mandei para a igreja. Estava indignado. Apenas disse o destino ao taxista e lhe agradeci no final da corrida. De resto, silêncio total. Entrei na Catedral e procurei um lugar bem ao fundo, isolado do resto do mundo mas próximo de uma caixa de som. Os espaços foram enchendo e uma senhora sentou-se ao meu lado. Mal a cumprimentei.
Com um pouco de atraso, começou a cerimônia. Não conseguia prestar atenção nas palavras do bispo, apenas pensava na festa que estava perdendo em casa, a churrascada e o bolo da mamãe. Tive meus pensamentos interrompidos quando um fotógrafo se aproximou.
- Ah, você que é o repórter este ano? Prazer, eu sou o fotógrafo.
“E eu tô tentando prestar atenção aqui”, me deu vontade de responder. Mas me controlei.
- Pois é, aqui estamos, véspera de Natal, evento interessante...
- Eu sei, é complicado, há anos essa pauta cai sempre comigo, só o repórter muda. É um costume escalar repórteres que recém entraram para cobrir a Missa do Galo. Bom, meu trabalho tá feito. Vou indo lá que ainda consigo comer um chester quentinho!
Sortudo desgraçado. Por alguns momentos fiquei torcendo para que acontecesse algo e ele perdesse a foto, só para aprender.
Meu folheto da missa caiu no chão e, antes que eu pegasse, a senhora ao meu lado me alcançou. Agradeci e fiquei cuidando. Ela devia ter cerca de 70 anos e estava sempre sorridente. Aproveitei o momento do sermão para puxar assunto.
- A senhora veio sozinha até aqui?
- Sim, faço isso há cinco anos, desde que fiquei viúva poucos dias antes do Natal. É uma forma de homenagear meu marido. Ele era uma pessoa muito alegre e religiosa.
- E o resto da sua família?
- Ah, eles não podem vir. Estão muito longe, foram tentar a vida no exterior. Um filho está na Inglaterra a quatro anos, casou com uma mulher de lá e está muito bem. Nem conheço ela ainda, só por fotos. Tenho uma filha também. Ela foi para os Estados Unidos no mesmo ano e tem se virado bem. Então, eu também aproveito esse dia para rezar que tudo vá bem com eles lá fora.
Nessa hora voltei minha atenção para a tarefa que tinha por cumprir. Agora não por obrigação, mas comovido pela imagem da velhinha sozinha e alegre ao meu lado. Eu não tinha metade dos problemas dela e estava resmugando como o pior ser do mundo.
O bispo estava narrando a longa jornada que Maria e José tiveram que fazer até Belém. Viagens como a de muitos brasileiros que, hoje, estão deixando o país para tentar melhorar de vida no exterior e, para isso, acabam se isolando da família, sozinhos em um Natal gelado do hemisfério norte.
Depois, com a leitura da chegada dos pastores e dos Três Reis Magos percebi que não era o único a ter que trabalhar na Noite Feliz. Desde o início havia sido assim. Apenas estava sendo mais uma parte, assim como policiais, motoristas, pilotos, enfermeiros, médicos e tantos outros profissionais que, naquela noite, deixaram o aconchego de suas casas e a festa com a família para servir a outras pessoas.
Batiam os sinos, os grandes sinos da Catedral, anunciando a meia-noite e o fim da cerimônia. Estava me preparando para sair quando a velhinha me cutucou.
- Feliz Natal, meu jovem!
Retribuí o cumprimento e só então me dei conta que ela fora a única a me desejar Feliz Natal em todo esse tempo. Bom, tampouco eu havia dito isso a outras pessoas. Tratei de ligar para casa e parabenizar os velhos, bem como o taxista que me levou e o porteiro do meu prédio.
Todas as histórias daquela noite não me deixavam dormir. Só conseguiria descansar quando escrevesse algo. Sentei à frente do computador e saí digitando numa velocidade incrível. No outro dia, já na redação, além de entregar meu texto sugeri duas pautas. A primeira, sobre o primeiro Natal de um brasileiro no exterior, sozinho. A segunda, sobre as pessoas que trabalham durante a madrugada nessa noite de festa. Elas foram feitas uma semana depois, no Ano Novo, por outro colega.
No final, o pessoal gostou tanto do trabalho que decidiram me colocar como fixo na noite de Natal. E aqui estou eu, pelo quarto ano consecutivo, aproveitando meu intervalo para escrever este post de um computador aqui no jornal.
Mas, enfim, Feliz Natal a todos!!!
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PS: Recebi dezenas de presentes endereçados ao João Alberto. Entretanto, volto a enfatizar que, assim como o Papai Noel, o João Alfredo não existe, é um personagem de ficção. Se você se identificou com algo relatado nesse post, bom, são coisas que acontecem com seres humanos.
Ponto final
Na vida real, estou bastante feliz pela oportunidade que vou ter nesse feriado. Além de estar junto da loirinha e da família dela, vou ter a chance de conhecer mais um pedaço de terra desse Rio Grande que é, de fato, bem grande.
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